quinta-feira, 13 de julho de 2023

Aprendendo a Envelhecer

 

            A arte pode nos ajudar a refletir sobre a história, sobre a política, sobre a sociedade e sobre a vida. Dentre dezenas de filmes que assisti no último ano, um em especial me chamou a atenção. O nome no Brasil é “A Incrível História de Adeline” e conta sobre a vida de uma mulher belíssima que, após um acidente inusitado, recebe uma descarga elétrica no corpo e por isso sobrevive. Contudo, a descarga elétrica (que é explicada com mais detalhes no filme) não só salva a vida de Adeline, como dá a ela a dádiva que quase toda mulher gostaria de receber: a de não envelhecer nunca.

            No mundo de hoje, principalmente no Ocidente, vemos acontecer uma corrida contra o tempo, onde homens e mulheres tentam amenizar a ação dos anos em seus corpos, submetendo-se até mesmo a procedimentos extremamente invasivos e dolorosos. Dados da  International Society of Aesthetic Plastic Surgery mostram que, no ano de 2013, cerca de 23 milhões de cirurgias plásticas foram realizadas ao redor do mundo. O Brasil aparece em segundo lugar no ranking dos países que mais realizaram procedimentos cirúrgicos desse tipo. Esse dado mostra que não são poucas as pessoas preocupadas com a estética e dispostas a gastar muito dinheiro para se manterem jovens e bonitas.

            No caso de Adeline, o destino foi generoso. Ela é uma moça deslumbrante, jovem, com curvas fabulosas e permanece assim por décadas e décadas, sem que nenhuma ruga ou fio de cabelo branco apareçam para macular sua perfeição. O mais interessante é que, embora conserve a aparência de uma jovem, Adeline vai acumulando experiência e conhecimento, o que me fez lembrar de uma frase que sempre ouço de amigos e familiares: “Queria ter a cabeça que tenho hoje, mas com minha aparência de quando era jovem”. É exatamente isso que acontece com Adeline, ela vive mais de 100 anos, mantendo a aparência jovem. A maioria das mulheres que eu conheço queria estar na pele de Adeline (confesso que eu também).

            Mas Adeline não encara sua dádiva com alegria. A começar porque todas as pessoas que ela ama morrem, enquanto ela continua forte e saudável. Tudo que ela tem afeição vai se perdendo e mudando com o tempo. Ela começa a ser perseguida, pois sua condição levanta curiosidade e espanto. Por isso, ela precisa se mudar a cada década. Muda de casa, de nome, de identidade, refaz a vida do zero, sem se apegar a mais ninguém, sem ser íntima de ninguém. Afinal, quem acreditaria nela? Além do mais, ela não quer amar mais ninguém para no fim ter de ver a pessoa amada partir.  Como ela vai namorar alguém se a pessoa vai envelhecer e ela não?

            Adeline se torna uma pessoa solitária. Até que ela conhece um homem e se apaixona. Nesse momento, se vê obrigada a escolher entre fugir e manter-se segura, ou entregar-se àquela paixão e correr todos os riscos que isso implicará.

            Sem contar todos os detalhes do filme para não estragar a graça para quem ainda não assistiu, há uma cena no final, onde Adeline se prepara para ir a uma festa e, de repente, diante do espelho, ela vê seu primeiro fio de cabelo branco. Aquilo é motivo de alegria e ela abre um largo sorriso. Puxa vida, acho que o dia em que eu encontrar um fio de cabelo branco em mim ficarei muito chateada. Mas Adeline não fica triste, aquilo era tudo o que ela queria. Ela queria envelhecer.

Esse filme me lembrou uma frase que o avô de uma amiga me disse: “A velhice é um privilégio”. Eu ainda não compreendi essa frase totalmente. Mas compreendo em parte. Hoje é possível envelhecer com saúde, mantendo a beleza, fazendo atividades físicas e se alimentando bem. Podemos chegar aos 50, 60, 70 e até 80 anos com disposição, lucidez, nos mantendo ativos, viajando, fazendo amizades, curtindo a família, estudando, trabalhando. Claro, tudo depende do nosso estilo de vida. A maneira como vivemos o agora influencia muito no nosso futuro. Todavia, há algo mais importante no fato de envelhecermos. Com a velhice, nosso corpo sofre o desgaste do tempo. Perdemos um pouco da beleza e da saúde. Por outro lado, ganhamos em sabedoria, experiência e virtudes. Temos as lembranças, as memórias, que foram se acumulando e fizeram de nós a pessoa que somos.

Não precisamos ter medo de envelhecer, pois a velhice é um privilégio. O contrário do medo não é a coragem, como muitos pensam. O contrário do medo é o amor. “No amor não há medo, antes o perfeito amor lança fora todo o medo” (I João 4:18). Por isso, se aprendermos o que é o amor de verdade, não teremos medo do desconhecido.

A reflexão que o filme deixou pra mim foi esta. Que a vida possa valer tanto a pena que, quando nos tornarmos idosos, possamos olhar para trás com um sorriso no rosto, felizes por tudo o que construímos, tudo o que amamos, por quem nos tornamos. E, principalmente, que não tenhamos medo. Que aprendamos a envelhecer e façamos do amor o nosso alvo.             

 

Data de lançamento: 21 de maio de 2015 (1h 53min)

Direção: Lee Toland Krieger

Elenco: Blake LivelyMichiel HuismanHarrison Ford mais

GênerosRomanceFantasiaDrama

NacionalidadeEUA


 



 

Tully e a maternidade

 

No filme “Tully” vemos mais uma vez a atriz Chalize Theron dar show de interpretação. É uma atriz versátil e sempre atua muito bem. Neste drama, Theron vive Marlo, mulher casada, mãe de três filhos, sendo um deles recém-nascido. Além disso, o filho do meio apresenta um tipo de autismo, o que faz com que a escola que ele estuda o convide a se retirar, já que ele precisa de atenção especial e o colégio não está capacitado para trabalhar com crianças assim. Em uma das falas da personagem, ficamos sabendo que ela trabalha fora, então deduzimos que ela está de licença maternidade e por isso passa literalmente 24 horas por dia por conta da casa e das crianças. O marido dela também trabalha fora, às vezes viajando, e ajuda muito pouco nas tarefas domésticas e na criação dos filhos.

As críticas disseram que este é um filme realista, focado não nas maravilhas da maternidade, mas na parte difícil que é acordar de madrugada para amamentar, lidar com as necessidades especiais dos filhos sem ter apoio de ninguém, ensinar o para casa, limpar a casa, cozinhar, levar e buscar na escola, lidar com pirraças e choros excessivos, nas mudanças que o corpo feminino sofre a cada gestação, e no esgotamento físico e mental da mãe. Se analisarmos por esse ângulo, sim, é um filme realista. Mas eu parei para pensar em todos os filmes sobre maternidade que já assisti e não me lembrei de nenhum que floreasse a realidade, que a maquiasse. Todos eles, de um jeito mais dramático ou cômico, em minha humilde opinião, mostram um pouco da realidade de ser mãe.

O diferencial desse filme talvez seja o estado de saúde de Marlo. Sua exaustão está escancarada na expressão de seu rosto, em sua aparência desleixada, no tom de sua voz, nos suspiros que parecem gritos abafados de socorro. Seu marido? Bem, ele não é um péssimo homem. Tem um temperamento tranquilo, trabalha fora o dia todo para sustentar a família, ajuda em algumas pequenas tarefas domésticas. Mas só. Ele não parece esgotado, nem deprimido. Demonstra entusiasmo para progredir na carreira, joga videogame quase todas as noites, chega em casa esperando por um jantar gostoso e se decepciona quando vê uma pizza em cima da mesa. Seu papel na família é coadjuvante.

Quem consegue perceber que Marlo precisa com urgência de ajuda é o irmão dela, que é rico e oferece pagar uma babá noturna para ela. A princípio Marlo nega, pois acha um absurdo terceirizar os cuidados com as crianças a uma desconhecida. Mas após uma crise nervosa, a mãe decide ligar para a babá. O nome dela é Tully. É aí que o filme começa.

Tully é uma jovem bonita, curvilínea, inteligente, bilíngue, vivendo experiências amorosas inusitadas. Na primeira noite, assume os cuidados do bebê e conquista a confiança de Marlo. Ela diz o que talvez quase toda mãe gostaria de ouvir pelo menos uma vez na vida: “Marlo, não estou aqui para cuidar só do seu bebê, estou aqui para cuidar de você também”. E assim Marlo dorme bem à noite depois de muito tempo. Durante a madrugada, Tully leva o bebê até o quarto para amamentar e depois se retira com ele de novo para a mãe voltar a dormir. Daí para frente as duas se tornam amigas, Tully ajuda em outras coisas mais com a casa e as crianças e até incentiva Marlo a voltar a retomar a vida sexual com o marido. 

O final é surpreendente. Daqueles que você fica pensativo uma semana.

Como qualquer cultura que consumimos, é importante colocar nossos óculos da racionalidade para filtrar o que é bom do que é ruim. É sempre válido conhecermos um pouco da biografia dos autores da arte que vemos, sejam eles diretores, escritores, roteiristas, pintores, etc. A biografia diz muito sobre a visão de mundo da pessoa e isso está sempre impresso de maneira direta ou indireta nas obras dos artistas. A roteirista desse filme é a mesma de “Juno”, outro filme sobre maternidade, abordando o tema sob outro ângulo. Confesso que achei “Juno” um pouco frio e materialista, embora tenha ganhado Oscar de melhor roteiro em 2008. Em “Tully” isso também aparece, só que em menor grau. O que falta mesmo nos dois filmes é aquilo que é mais importante em nossa vida: o amor. As poucas vezes que o amor aparece em “Tully”, são as cenas mais bonitas.

Assim como algumas mães podem se identificar com Marlo, outras podem ter vivido experiências completamente diferentes. De todo modo, é um filme do qual podemos retirar muitas lições. As mulheres se dedicam tanto a cuidar da família e muitas vezes deixam de cuidar de si mesmas. Isso afeta não só a aparência, que convenhamos, com um bebê recém-nascido, é o de menos, mas principalmente a saúde física e mental. A depressão, seja ela pós-parto ou qualquer outro tipo, é algo sério e não deve ser ignorado ou subestimado. Algumas mães se sentem culpadas o tempo todo, sempre achando que estão cometendo erros ou não fazendo o melhor que podem. Eu poderia destacar aqui muitos pontos de reflexão a partir do filme. Contudo, o que mais me chamou a atenção, é que o filme não é só sobre maternidade. É sobre paternidade também. Com a chegada da babá, as coisas ficaram bem mais fáceis na rotina de Marlo e ela deixou de se sentir tão sobrecarregada. Infelizmente, nem todo mundo tem condições financeiras para contratar uma babá. E mais infelizmente ainda, por incontáveis motivos, nem toda criança tem um pai. Mas se há uma realidade que o filme mostra é que nós não somos nenhuma Mulher Maravilha. No filme há um diálogo marcante: A jovem Tully afirma que “as garotas se curam” e a madura Marlo refuta “não. Se você olhar de perto, estamos cobertas de corretivo”.

Devemos aprender a reconhecer nossos limites e a não ter vergonha de admitir que precisamos de ajuda. Por mais que a sociedade imponha às mães que elas precisam dar conta de tudo, mesmo com jornadas duplas ou triplas de trabalho, é necessário delegar aos pais algumas responsabilidades. Quando duas pessoas dividem o trabalho, o fardo fica menos pesado. Dois são mais fortes que um.

A todas as mamães que leem esse texto, parabéns pela sua força. Nunca se esqueçam que o amor pelos seus filhos envolve também amar a si mesmas, cuidar de si mesmas, ter um tempinho só para você. Os filhos crescem, seguem a vida e você precisa estar inteira para continuar se gostando quando não precisar mais dedicar-se 24 horas à maternidade.

 




 

 

  

Que filhos deixaremos para o mundo?

                                         


Sou uma eterna estudante de Filosofia, Teologia e História. Amo aprender sobre essas ciências e a elas dedico boa parte das minhas leituras. Dentre tantas investigações sobre as quais tenho me debruçado, um tema específico me chama a atenção e quero compartilhar neste texto. A maioria de vocês já deve ter lido a frase: “Antes de se preocupar com que mundo deixará para seus filhos, pergunte-se que tipo de filhos deixará para o mundo”. Não faço ideia de onde originou essa afirmação, mas ela é bem pertinente. Ainda mais nos dias de hoje.

Acredito que toda mãe e pai passam por inúmeras dificuldades e dúvidas no que diz respeito à criação dos filhos. Quando dizer sim ou não? Qual a idade correta para matricular meu filho na escola? Em qual colégio? Como corrigi-lo? Devo dar palmadas? Devo colocar de castigo? Como administrar a mesada? Estou trabalhando muito e dedicando pouco tempo à família? Devo colocar numa escolinha ou contratar uma babá? Por que ele chora tanto? Como lidar com a pirraça? Fui enérgico demais? Estou sendo negligente? Até que ponto devo acreditar em tudo o que meu filho me diz? Enfim... Essas e muitas outras perguntas provavelmente passam na cabeça dos pais. Entre erros e acertos criamos nossos filhos da melhor maneira que conseguimos. Somos capazes de dar a nossa vida por eles.

Mesmo assim, muitas vezes a culpa sobrecarrega nossos ombros. Algumas linhas da Psicologia atribuem à mãe a origem de muitos traumas de seus filhos (triste realidade!). A música do Pink Floy, “Mother”, retrata bem isso:


“Hush now baby, baby, don't you cry

Mama's gonna make all of your nightmares come true

Mama's gonna put all of her fears into you

Mama's gonna keep you right here under her wing

She wont let you fly, but she might let you sing

Mama's gonna keep baby cozy and warm

 

OOh baby ooh baby ooh baby

Of course mama's gonna help to build the wall”.

“Acalme-se agora, filhinho, não chore

Mamãe vai transformar todos seus pesadelos em realidade

Mamãe vai passar todos os seus medos para você

Mamãe vai manter você bem aqui, sob sua asa

Ela não vai deixar você voar, mas poderá deixá-lo canta

Mamãe vai manter o filhinho quentinho e confortável

Ooh filhinho ooh filhinho ooh filhinho

É claro que a mamãe vai ajudá-lo a construir o muro”.


Erramos tentando acertar. Quiséramos nós ter a receita desse bolo!

Os pais, professores e a sociedade em geral muitas vezes estão preocupados com a longa lista do pode/não pode, direitos e deveres, certo e errado. Claro que isso é importante, pois uma criação saudável de filhos implica estabelecer limites, disciplina e normas. O problema é que as regras sempre parecem ser restritivas. Elas são importantes, mas não são o centro. Se o foco estiver no que é ou não permitido, corremos o grande risco de nossos filhos se rebelarem em algum momento e começarem a questionar: não pode por quê? É certo ou errado sob qual ponto de vista? Por que sou obrigado a fazer isso? Devo obedecer às regras impostas sem questionar? Além disso, é comum que as pessoas sigam as regras em público, mas em oculto burlem muitas delas.

Mais do que um filho obediente, o nosso foco precisa estar no caráter. Que tipo de caráter? Ah! Esta sim é a pergunta chave. Quais são os princípios e valores da nossa família que queremos ensinar aos nossos filhos? Por que esses princípios e valores são importantes para nós? De que forma podemos enquanto família ajudarmos uns aos outros a seguir estes princípios e valores em meio a um mundo sem ética e com a moral totalmente distorcida? Como as influências externas (amizades, ensino nas escolas, mídia, livros, filmes, músicas, etc.) contribuem para a formação do caráter de nossos filhos? Se não posso protegê-lo das influências ruins, como posso ensinar o meu filho a fazer as escolhas certas em meio aos caos instalado na sociedade?

Eu tenho a resposta. Mas a resposta que eu tenho tem a ver com o meu caráter e ao caráter que eu quero ensinar à minha família. Tem a ver com as virtudes, princípios e valores que eu prezo. Pode bem ser que não seja bem este tipo de caráter, virtudes, princípios e valores que você considere corretos. Cabe à família ir em busca desta resposta e, quando encontrá-la, dedicar-se ao máximo para viver de acordo com ela. Sim, viver. Por que não adianta nada você dizer ao seu filho o que ele deve ou não fazer se você também não faz. O ensino mais eficaz é o exemplo. Em Provérbios 22:6 diz assim: “Instrui a criança no caminho certo, e até quando for velha não se desviará dele”. Instruir não apenas com palavras, mas com atitudes, com exemplos. E quando você errar? Será sempre uma ótima oportunidade para ensinar sobre a humildade de reconhecer os erros, pedir perdão e mudar de atitude.

Não há receita de bolo para criar filhos. Mas há pistas por todos os lados. O que devemos fazer? E, o mais importante, como? Para mim, Jesus é o modelo perfeito de ser humano. Se olharmos para Ele, veremos que Ele não só ensinou o que fazer, mas também como. Como eu disse, essa é a resposta que eu encontrei. Cabe a você, mãe e pai, encontrar a sua resposta.





 

Mamãe

                                 Ana Faria

 

Mamãe, eu posso sair?

Mamãe, vai fazer frio?

Mamãe, eu quero fugir

Mamãe, eu não tenho amigos.

 

Mamãe, ele me ama?

Mamãe, você não me entende!

Mamãe, eu quero ser livre

Mamãe, não me deixe de castigo para sempre.

 

Mamãe, me ensine a voar

Mamãe, me faz um carinho

Mamãe, tá doendo

Mamãe, me da um colinho.

 

Mamãe, vem me defender

Mamãe, não chora

Mamãe, eu amo você

Mamãe, eu vou sentir saudades se você for embora.

 

Mamãe, fica aqui comigo

Mamãe, me conta uma história

Mamãe, guarda o meu segredo

Mamãe, eu estou com medo.

 

Mamãe, eu não sei o que fazer

Mamãe, não briga comigo

Mamãe, por favor me desculpe

Mamãe... Ah, mamãe!

Ninguém pode substituir você.

  

terça-feira, 11 de julho de 2023

O repouso da inteligência é a fé


Parte da tela de Rafael: A escola de Atenas


Há beleza e esperança ao ver um bebê dormindo sereno no colo da mãe. Há também preocupação. Tão pequeno, tão indefeso, padecendo de cólicas, vacinas dolorosas, sendo bombardeado o tempo todo com a realidade antes ignorada quando estava na barriga da mãe. Os pais regozijam ao trazer uma criança à luz e passam o resto da vida tentando protegê-la das trevas.   

Uma criança saudável é ávida por conhecer. Desmonta e monta brinquedos, entra dentro dos armários e tira tudo de dentro das gavetas, orgulha-se quando aprende o alfabeto, quer mostrar para todo mundo suas obras de arte, inclusive as que rabiscou na parede da sala.

Para um ponto de partida, onde a pessoa não sabe nada e quer saber alguma coisa, a avidez é combustível para a inteligência.  No entanto, ela precisa ser domada. À medida que o ser humano cresce e amadurece, deve ajustar o senso de proporções, amar cada coisa do jeito certo e se conformar com o fato de que a onisciência é um atributo divino.

Se por um lado o amor ao conhecimento é uma virtude rara no Brasil, por outro, há uma voracidade das pessoas em ir à público expor suas opiniões, seja nas redes sociais ou na televisão. A certeza de que o que pensam é a verdade, de que representam o bem supremo e de que têm as soluções para exterminar o mal no mundo, acorrenta-os à Matrix revolucionária e cega-os para a experiência da vida real. Falta-lhes humildade. Preocupam-se em mudar a história e se esquecem de mudar a si mesmos.

Para o bebê no colo da mãe, pouco importa não saber andar, qual o formato do planeta ou qual presidente vai ganhar a eleição. A confiança faz com que repouse tranquilo enquanto guerras são travadas lá fora. Ele tem sede de saber, mas onde sua inteligência não alcança, a fé no amor materno o consola.

A Bíblia diz que devemos ter fé como os pequeninos. Crer antes de entender. É o que as crianças fazem. Já a escola nos ensina que só o que é passível de testes e pode ser explicado deve ser considerado ciência, ou seja, verdade comprovada. Os bebês vão crescendo, a humanidade vai caminhando para sua prometida evolução, o mundo vai se desencantando, as dimensões da realidade vão se tornando opacas, a esperança se terrestrializa.

C. S. Lewis alerta em “A abolição do homem”, que não se pode ficar o tempo todo tentando ver o que está por trás ou dentro das coisas a fim de encontrar o objeto real. Se o tempo todo se buscar enxergar através de tudo, o mundo se torna transparente, invisível. Ver o que está por trás de tudo é o mesmo que não ver nada. Há dimensões da vida que a ciência não sabe explicar.

Uma cosmovisão moldada pela mídia mainstream, onde a mentalidade pós-moderna é disseminada a torto e a direito, produz uma nação passiva, ignorante e depravada. Não é por acaso que o Brasil tem terríveis índices de corrupção, assassinatos e baixíssimos resultados no âmbito escolar. Quem não compreende a importância do que é sagrado e eterno, tende a querer resolver tudo na força do próprio braço (ou na força do Partido).

A avidez da criança em ver o que tem dentro do brinquedo a faz quebrá-lo. A avidez do homem em dar soluções universais e definitivas para a igualdade, liberdade e fraternidade, destrói sociedades inteiras. A inteligência do bebê repousa na fé, ali acalentado no colo materno. A inteligência do homem pós-moderno não tem onde repousar, porque Deus para ele está morto. Talvez, quando a morte bater à porta, ele se lembre de clamar Abba (Pai).

 

Religião e cultura, irmãs siamesas

 

Religião e cultura são irmãs siamesas. Compartilham o mesmo coração. E são elas que suprem aquilo que o ser humano chama de alma. O alimento sólido é a alta cultura e, por exigir uma digestão complexa, é compreensível que crianças e jovens tenham dificuldade em ler Shakespeare, contemplar Rembrandt e ouvir Bach. Para apreciar esse tipo de arte é preciso refinar o paladar. Refinar no sentido de se tornar superior. Não para a prepotência, nem para inflar egos, e sim para conhecer a realidade, desiludir-se das utopias e saber de uma vez por todas que o bem da humanidade, de uma sociedade, de uma família só pode ser conquistado pela ação de indivíduos. É o amor ao próximo o único meio para alcançar a tão sonhada  “justiça social”. E começa em casa. Primeiro pago minhas contas e limpo o que sujo. Depois me debruço sobre política pública.

 

É muito bom quando a juventude tem sede de saber. Pena mesmo é quando adultos, com toda a faculdade intelectual possível, não conseguem reconhecer a realidade, nem valorizar e se esforçar para ouvirem as vozes de nossos antepassados. Vozes essas que falam através dos livros, das músicas, da poesia. Que continuam ecoando, mesmo quando seus autores já morreram. O adulto que despreza o conhecimento vive na Matrix, buscando a felicidade como um cachorro corre atrás do rabo. Iludido e entorpecido, uma caricatura de homem.

 

Uma cultura rasteira e mesquinha não pode produzir outra coisa a não ser políticos canalhas, jornalistas péssimos, médicos charlatães e toda a sorte de profissionais de meia-tigela. O povo vai se esquecendo de buscar as virtudes, vai se rendendo aos vícios. Com a decadência da cultura pop, começa-se a exaltar o que era desprezado. Os heróis de hoje retratados pela grande mídia matam civis e falam a novilíngua. Nem os vilões escapam da Polícia do Pensamento. Que o diga nosso pobre Andrés de Fonollosa, vulgo Berlim.  

 

Mentes deformadas por propagandas travestidas em arte e crime organizado camuflado de congregação religiosa, tendem a terrestrializar a redenção do espírito. Revoluções querem destruir até as bases, para edificar algo novo. Reformas almejam manter o que é bom, renovar o que não funciona mais. Revolucionários tendem a se achar os portadores do bem e apontar o inimigo como o mal. Reformistas deveriam reconhecer, com base no Cristianismo, que o bem existe em si e que o mal é a negação do bem, assim como o escuro é a ausência de luz. Portanto, todo ser humano tem potencial para ser bom como um anjo ou vil como um demônio.


                                   São Paulo, de autoria de Valentin de Boulogne


 

Acreditar que a religião é o ópio do povo e que a cultura que interessa é apenas a que agrada ao self ou ao grupo a que se quer pertencer é uma cosmovisão muito rasa e embaçada. Uma maneira medíocre de viver. O cidadão que pensa assim, fecha-se para todo debate. Nesse caso, deveria, ao menos, abster-se de emitir opiniões. Uma opinião não importa ao menos que venha preenchida de experiência, leitura e pesquisa. Fundamentada na verdade, na sinceridade e no que se aprende não apenas com a cultura de agora, mas também com o que foi herdado.

 

É engano acreditar que a economia e a disputa de classes são a explicação última para o sofrimento. O ser humano é um animal demasiadamente complexo para ser estudado só por esse ângulo. Nenhuma ciência, nem mesmo a economia, conseguiu responder de onde veio o homem, o que ele veio fazer aqui e para onde vai depois da morte. Essa resposta compõe o que heróis na fé declaram, que não somos avestruz para viver apenas do imanente. O pensamento humano é atraído pelo infinito. Pelo que é eterno. Santo Agostinho declara em suas confissões: “… porque nos fizeste para ti, e o nosso coração está inquieto enquanto não encontrar em ti descanso”. C. S. Lewis fala o mesmo em linguagem narniana: “Se eu encontrar em mim mesmo um desejo que nada nesse mundo pode satisfazer, a explicação mais provável é que fui feito para outro mundo”.

 

A religião e a cultura têm o mesmo coração, que é o próprio Deus, porque o homem não é um sistema fechado. O salto no escuro ao qual se refere o professor Guilherme de Carvalho é essa busca pela identidade e autenticidade em si próprio. Ninguém pensa com a própria cabeça. Se as referências e os valores não vem da alta cultura e do cristianismo, vão vir de outros lugares. Sociedade laica é mais uma utopia.

 

 

 

 

domingo, 20 de agosto de 2017

Se você quer um mundo melhor, comece pela sua casa!

Há cerca de três anos, com o início da Operação Lava Jato, vozes antes inaudíveis no país começaram a ecoar em todos os meios de comunicação. A população brasileira (a massa) passou a se inteirar melhor sobre assuntos que até então nos causavam ânsia de vômito e muita preguiça. Eu quase nunca ouvia alguém falar sobre economia e política e, de repente, este passou a ser tema de conversas nos pontos de ônibus, nas festas de aniversário, durante um passeio ao parque e, até mesmo, nas baladas de sexta-feira. Era como se uma escultura muito antiga começasse a descascar revelando sua verdadeira aparência.

Eu, que passei a adolescência ao modo maluco beleza de ser, era a legítima cidadã alienada. Meu caminho até os 28 anos foi cheio de utopias e ideias mirabolantes acerca da fé, da paz e da injustiça no mundo. Sempre gostei de estudar Ciências Humanas e, inclusive, me graduei em Geografia. Mas depois de 12 anos na escola e mais 4 na faculdade, continuei com conceitos completamente distorcidos sobre quase tudo.

Eu cultivava uma visão romântica acerca das mazelas da humanidade e acreditava que poderiam existir indivíduos capazes de mudar o rumo da história. Foi justamente por isso que escolhi ser professora: eu achava que poderia mudar o mundo.

Quando comecei a sair do universo da fantasia e caí de paraquedas na realidade nua e crua, minhas utopias começaram a ruir. Uma sala de aula não é algo nada romântico. E a vida não é um palco onde podemos subir para dar o nosso show. A não ser que seja um show de horrores.

Quando eu passei a ser autodidata é que finalmente comecei a entender algumas coisas. E esse "bum" que aconteceu na política brasileira, explodindo o esconderijo dos ratos e obrigando-os a sair da toca, foi essencial para o meu amadurecimento intelectual. Comecei a ler mais, textos de autores diferentes, de fontes distintas, com influências político-filosóficas antagônicas. Comecei a assistir aulas na internet, frequentei um curso sensacional de teologia, mergulhei de cabeça nas estantes de livros de filosofia, teologia e romances clássicos.

Meio que desalienei, pelo menos uns 60%. Isso a meu ver já é bom. Na verdade é muito bom. Quando desembaçamos o para-brisas fica mais fácil enxergar a estrada e conduzir o veículo em direção ao destino que escolhemos como alvo.

Meu repertório aumentou absurdamente e parei de acreditar em um monte de bobagens que eu acreditava piamente serem verdade. Pelo menos agora será mais difícil de eu ser usada como marionete para alguma causa escusa.

Mas, porém, entretanto, todavia, contudo, descobri algo terrível: eu não posso mudar o mundo. Nem eu, nem ser humano nenhum. Para mudar o mundo, o poder teria de se concentrar em minhas mãos. Para o poder se concentrar em minhas mãos, precisaria ser uma ditadora, e para ser ditadora precisaria usar a violência. Quando usamos a violência, o mundo se torna pior. E isso resume a ópera da utopia de sociedade justa.

Quem é "a sociedade"? Falamos "sociedade" como se fosse algum ser com vida própria. Como se "a sociedade" fosse algo externo a nós. Está ali, olha lá a "sociedade", apontamos com o dedo. TUDO BOBAGEM!

A sociedade somos nós. Eu e você que me lê. É fácil desejar uma "sociedade justa" enquanto eu ignoro o mendigo passando fome na esquina da minha casa. É fácil ansiar por um "mundo melhor", enquanto dentro do meu lar trato mal a minha mãe, sou agressiva com meus irmãos, sou desaforada com o meu pai, sou egoísta com meu marido, oprimo os meus filhos. Participo de uma passeata contra a corrupção, mas dou o cano a torto e a direito, preocupando-me em me dar bem a qualquer custo. Encho a boca para falar mal do imperialismo estadounidense, mas quando vou à padaria na rua de cima, olho com desdém para meus vizinhos e finjo que não os vi, só para não ter de cumprimentar. Coloco textos gigantescos no Facebook expressando minha indignação, ansiando por curtidas e compartilhamentos, mas ao primeiro colega que comenta algo que não concordo, me torno hostil e o rotulo de todos os adjetivos toscos que vierem na cabeça. A liberdade de expressão só vale quando todo mundo concorda comigo?

Me expliquem que ideia de sociedade justa e mundo melhor é essa que faz com que nos importemos com os que estão longe e esqueçamos dos que estão perto?

C. S. Lewis fala sobre isso ao dar o exemplo da guerra. Durante o conflito, os exércitos ingleses e alemães se odiavam e se digladiavam. No entanto, esse era um ódio mítico. Quando se está em uma guerra, se odeia um inimigo imaginário. Na verdade, os soldados rivais nunca se encontraram face a face para dizer que se odiavam de uma maneira pessoal. Lewis diz que "os ingleses declaravam em alto e bom som que a tortura seria pouco para seus inimigos, mas logo ofereciam chá e cigarros ao primeiro piloto alemão ferido que porventura batesse à porta dos fundos".
Eu me identifiquei nesse trecho. Quantas vezes odiei as pessoas que militam por causas que eu abomino? Quantas vezes desejei que essas pessoas fossem desmascaradas e presas? Contudo, se qualquer uma delas bater em minha porta pedindo um copo de água fria, certamente eu jamais negaria. Odiar é ruim? É evidente que sim. Mas esse é um ódio mítico. Assim como desejar um mundo mais justo e pacífico é uma benevolência mítica. Enquanto amo e tenho compaixão pelas pessoas de um círculo mais distante, esqueço os da minha própria casa.

Em "Cartas de um Diabo a Seu Aprendiz", um demônio mestre ensina a seguinte estratégia ao demônio aprendiz: "O que quer que você faça, sempre haverá alguma benevolência, assim como alguma raiva, na alma humana. O melhor a fazer é voltar a raiva da pessoa para os semelhantes mais próximos, aqueles que ela encontra todos os dias, e voltar a benevolência para um círculo mais distante, para as pessoas que ela não conhece. Desse modo, o ódio torna-se completamente real e a benevolência, em grande medida, imaginária". No final ele conclui: "Nem mesmo todas as virtudes pintadas pela fantasia ou aprovadas pelo intelecto, ou até, em alguma medida, adoradas e admiradas, serão suficientes para afastar um homem do inferno".

Forte isso? É para ser mesmo. Para deixar esse gosto amargo que você está sentindo na boca . Se você quer um mundo melhor, comece pela sua casa!

Para que as virtudes ajudem a nos tornarmos seres humanos melhores, mais justos, honestos, benevolentes, e, consequentemente, produzam uma sociedade mais justa e um mundo melhor, elas precisam parar de ocupar apenas o campo da imaginação e do intelecto. Precisam ocupar o campo da vontade, o verdadeiro centro de nosso ser que é o coração. Precisam ser praticadas com as pessoas que nos cercam e se materializarem como hábitos.

Talvez aqui seja bom relembrar um mandamento que todo mundo sabe de cor, mas que quase ninguém sabe como colocar em prática: "ame o teu próximo como a ti mesmo". 
Nesse caso, não é o amor afetuoso e apaixonado. É um amor bem maior. Deixarei você pensar sobre isso. Talvez eu fale sobre esse amor em outro post. Mas acho que você deve desconfiar sobre que tipo de amor estou me referindo.

Referências:
C. S. Lewis. Cartas de um Diabo a Seu Aprendiz. São Paulo: Martins Fontes, 2014.